A cultura de um povo é toda a sua memória.


sábado, 6 de agosto de 2011

Praia de Bote: [0072] Apenas imaginação... sentado num bote, na P...

Praia de Bote: [0072] Apenas imaginação... sentado num bote, na P...

Como bom cabo-verdiano que acompanha a par e passa os acontecimentos da terra, estou esperando ansiosamente o desfecho. E digo:
- Que o melhor ganhe e que Cabo Verde entre numa era de fratenidade e de progresso.
Obrigado, amigo, Djack, pela enorme contribuição que vem dando. Aliàs, como filho adoptivo do Mindela não podia deixar de estar "in" como nôs.
Um braça rije e...
tê manhã pa festejà
Valdemar

Praia de Bote: [0072] Apenas imaginação... sentado num bote, na P...

Praia de Bote: [0072] Apenas imaginação... sentado num bote, na P...

Como bom cabo-verdaiano que segue a vida da sua terra, estou acompanhando os acontecimentos esperando que, amanhã, ganhe o MELHOR para que entremos num periodo de fraternidade e de progresso.
Obrigado "irmão" por toda a colaboração que vem dando à sua terra de adopção.
V/

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Praia de Bote: [0071] O "28 de Maio", Ainda um navio das ilhas.

Praia de Bote: [0071] O "28 de Maio", Ainda um navio das ilhas.: "Valdemar Pereira Em mais uma simpática oferta do nosso colaborador Valdemar Pereira, PRAIA DE BOTE mostra hoje o '28 de Maio', navio que ..."

terça-feira, 29 de março de 2011

momento do livro

Divulgando a riqueza da nossa terra passamos a ser Embaixador da sua Cultura

sexta-feira, 4 de junho de 2010

|Salvaguarda do Património Construído e Ambiental - Uma Urgência e um Desígnio Nacional
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O património arquitectónico tem sido nos últimos tempos, por todo mundo, vítima da pressão do modernismo da euforia imobiliária, e de uma filosofia que tende a opor o velho ao novo, como se estas duas gerações não pudessem conviver de forma harmoniosa. Existem, actualmente, formas de conciliar diferentes estilos ou padrões, como é demonstrado nos grandes países avançados do norte da Europa (França, Espanha, Alemanha, etc) sem que se tenha que abater um para que o outro se implante, evitando o apagamento paulatino dos vestígios culturais, arquitectónicos e históricos de uma cidade.

O fenómeno da globalização, ao proporcionar contactos mais estreitos entre culturas e modos de vida, aliado ao efeito das novas tecnologias de informação, que são os fios condutores do conhecimento, tanto pode alavancar o desenvolvimento de uma sociedade como levá-la a um afastamento das formas de vida tradicionais, contribuindo deste modo para a extinção do seu passado e a perda da sua identidade, que é apercebida através da sua história, da sua cultura, língua, hábitos e valores tradicionais, podendo manifestar-se de formas diversas nas quais se podem incluir as mais variadas expressões artísticas, literárias, arquitectónicas e filosóficas assim como símbolos e mitos.
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Para o cidadão comum o conceito de preservação ligado ao património está em geral imbuído de um significado negativo, conotado com desperdício uma vez que o objecto de preservação é visto como algo que, aparentemente, não serve para nada por se tratar de “coisa velha” cuja recuperação será certamente dispendiosa.
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Esta atitude é uma expressão das tendências consumistas do mundo moderno, que incutiu nas sociedades o hábito do descartável, fenómeno alienante por detrás do qual se esconde uma corrida ao moderno e a tudo o que engendre benefícios imediatos.
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As manifestações arquitectónicas, sendo a materialização da cultura e da identidade de uma comunidade, estão necessariamente ligadas às acções e à memória do grupo que a compõe constituindo-se num documento vivo que pode ser estudado, investigado. Através delas pode--se religar com o passado, interpretar a história, e extrair dados relativos às actividades humanas da época da sua edificação. Os legados históricos podem, por assim dizer, constituir um ponto de encontro com o passado e uma porta de ligação com o futuro.
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Nas últimas décadas, apesar do ambiente desfavorável, temos constatado uma consciencialização crescente para os problemas de salvaguarda do património acompanhada de uma mudança de atitude relativamente a estas questões apesar de ainda haver sectores da sociedade menos preparados para aceitar ou assumir essa mudança. A preocupação que inicialmente incidia sobre os monumentos estendeu-se ao meio envolvente, o que levou à criação dos centros históricos, passando mesmo a integrar uma perspectiva ambientalista e ecologista.
Mesmo assim, continua-se a assistir a delapidações do património histórico edificado e paisagístico, com a justificação de modernização com o consentimento das autoridades que deveriam estar mais sensibilizadas para esta problemática.
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Em cidades emblemáticas do arquipélago, como Mindelo, S. Filipe e Praia onde a pressão urbanística, demográfica e industrial é grande, devido a inexistência de políticas e planos de preservação esta ameaça sobre o património tem vindo a aumentar chegando mesmo a concretizar situações alarmantes.
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Em S. Filipe, na Ilha do Fogo, atentados ao património histórico têm sido cometidos, a ver pelos apelos veiculados na comunicação social, sem que haja sensibilidade dos responsáveis (http://verbumimagus.blogspot.com/). Em Santo Antão, o Farol Fontes Pereira de Melo, conhecido por Farol de Boi, construído em 1884 e inactivo desde 2006, património importante do concelho do Paúl, encontra-se num estado avançado de abandono, negligência e degradação (http://questao-dos-universais.blogspot.com/2009/12/farois-de-domingo-farol-de-boi-fontes.html e http://noticias.sapo.cv/inforpress/artigo/2532.html).
Farol Fontes Pereira de Melo em Sº Antão
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Na cidade do Mindelo, apesar de ser ainda possível identificar algumas construções que testemunham o passado histórico, pouco ou nada tem sido feito para travar a contínua demolição dos seus edifícios típicos o que contribui para a descaracterização do seu traçado.
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A inexistência de um plano de salvaguarda do património construído que contemple, entre outras intervenções, a conservação e valorização dos núcleos antigos da cidade e dos seus edifícios, a regulamentação do direito de transformação da propriedade assim como o direito de edificação numa perspectiva de salvaguarda, valorização e revitalização do património construído é um facto. É necessário criar disposições legais sobre a manutenção, a reabilitação ou restauro dos edifícios ou espaços públicos e que prevejam a eliminação de eventuais elementos que desfigurem as fachadas tendo em vista a salvaguarda dos imóveis. Há construções que carecem de intervenção profunda e urgente, tais como o imponente e abandonado Palácio do Mindelo que já apresenta indícios claros de deterioração e negligência, o Liceu Velho com sinais visíveis de degradação na fachada e o cujo interior carece de obras de manutenção e melhoria.
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A réplica da Torre de Belém, “a bela adormecida”, anseia por um projecto de reutilização associado a toda a baixa da cidade que a dignifique. A casa onde residiu o Dr. Adriano Duarte Silva é mais um património que as autoridades deixaram, negligentemente, degradar para justificar a sua demolição e construção de raiz de um edifício novo, mas felizmente esta decisão poderá ser revertida devido à decisão recente da assembleia municipal em evitar a sua demolição.
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Antiga Residência do Dr. Adriano Duarte Silva (Imagem NFM – 2010)
O cinema Éden Park, outro monumento da cultura mindelense, é um caso em que não houve vontade, da parte da câmara ou do governo em conceber um projecto para salvá-lo, apesar dos apelos da sociedade civil quando que os poderes políticos poderiam ter ponderado diferentes cenários para a sua reabilitação e requalificação adaptando-o a novas funções dentro do quadro cultural da cidade do Mindelo compatível com os novos tempos.
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Cinema Éden Park (foto da Ecaboverde)
O Fortim d’El-Rey é outro exemplo da negligência e abandono e, embora esteja previsto a sua restauração, será uma vítima de um mau enquadramento visto que o edifício passará a albergar um casino com bares e restaurantes, circundado por uma zona residencial de luxo privada.
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A acrescentar a este estado de coisas é de se referir que o património natural também tem sido vítima da insensibilidade ou de ineficiência na implementação das políticas de protecção ao meio ambiente embora existam estudos feitos nesta área.
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No Mindelo, a paisagem natural envolvente está sendo, progressivamente, afectada verificando-se uma agressiva ocupação dos montes circundantes, cuja presença e efeito estético são ocultados pelo surgimento de urbanizações caóticas e invasivas e de construções em altura desproporcionada.
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Por todo o arquipélago são visíveis cicatrizes na paisagem natural. Em S. Vicente, a agressão ao património natural é visível na zona do Calhau, cujo vulcão, um dos marcos naturais da ilha, que confere beleza e singularidade à paisagem, encontra-se esventrado, situação que resulta da corrida desenfreada para a obtenção de material para a construção civil, ameaçando destruir totalmente uma obra da natureza, com todos os impactes negativos na paisagem que isto poderá acarretar.
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Agressões deste tipo, para além dos efeitos inestéticos, potenciam repercussões negativas no meio ambiente: acumulação de lixos e águas pluviais, armadilhas para os incautos, obstrução perigosa de cursos de água e vias naturais e aluimentos de terras.
Vulcão do Calhau – Ilha de S. Vicente (ref. 2)

Presentemente, o conhecimento sobre o património arquitectónico do arquipélago, e em particular do Mindelo, é insuficiente e presume-se a inexistência de uma inventariação, senão como se justificariam as intervenções que vêm acontecendo, em pleno coração da cidade, que vão desde a desfiguração do seu centro histórico com actos de demolição, o abandono da arquitectura de traça típica ao surgimento de edifícios desgarrados ou que contrastam com o estilo do legado arquitectónico existente? Compete, por isso, aos poderes públicos zelar pela promoção e protecção do património global desta cidade e do país. Para isso urge proceder ao seu inventário, classificação vigilância, e outras formas de acautelamento e preservação.
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Obras de requalificação da cidade, incluindo a preservação e valorização dos edifícios históricos que se encontram deteriorados e a sua adaptação a novas e múltiplas funcionalidades, tal como as culturais sociais ou económicas, deverão ser empreendidas para que ela se transforme numa cidade dinâmica e com memória. Este processo poderá contribuir para promover uma sustentabilidade e atractividade urbana e uma maior qualidade de vida e bem estar dos cidadãos com um impacto considerável na forma como os mindelenses vivenciam a sua cidade.
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É preciso, pois, travar a erosão do património através de uma legislação adequada e de acções concretas que o proteja, para que o legado seja mantido, acarinhado, reutilizado e passado às novas gerações.
------ Fátima Ramos Lopes
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(1) Ref. Extraída de http://questao-dos-universais.blogspot.com/2009/12/farois-de-domingo-farol-de-boi-fontes.html
(2) Imagem do Vulcão extraída do Volume V.1 - Estudo de Base Impactes de apanha e extracção de inertes em Cabo Verde do Ministério do Ambiente, Agricultura e Pescas, pág. 44

sábado, 29 de maio de 2010

É PRECISO UMA IDEIA E UM CONCEITO NOVO PARA A CIDADE DO MINDELO

Não deixa de ser paradoxal que no momento em que o governo anuncia, com pompa e circunstância, uma iniciativa que pretende resgatar ‘o que há de melhor no património cultural, artístico e turístico do país’ (ver notícia Sete Maravilhas de Cabo Verde - Liberal Online 4-3, 08:35h), incluindo referências do Mindelo, se insista na demolição da casa do Dr. Adriano Duarte Silva, desprezando uma petição que pretende justamente preservar uma parte do património cultural de Cabo Verde. Também não deixa de ser paradoxal o silêncio, quase total, dos homens das culturas, dos saberes e das políticas desta ilha e deste país? Por onde andam? Andam distraídos com coisas mais importantes?

Os defensores da demolição do prédio alegam que este não pode ser considerado património, pois não lhe atribuem valor nenhum. Efectivamente, o valor das coisas é subjectivo, está intrinsecamente associado a aquilo que um colectivo de pessoas, que transporta uma memória histórica, convencionou atribuir. É esse colectivo que define, subjectivamente, o valor das coisas, assim como o mercado define o valor de um património transaccionável, e é só dentro deste contexto que se pode falar de valor. Pois é assim que, subjectivamente, o Palácio do Governo, o Liceu Velho, e a réplica da Torre de Belém possuem valores históricos e patrimoniais, atribuídos pelos mindelenses, dentro do contexto da Ilha. É possível que para pessoas nascidas noutras ilhas ou para um estrangeiro este valor seja nulo.

O valor da casa do Dr. Adriano Duarte Silva está intimamente associado a uma carga histórica, pelo papel desempenhado por este cidadão (embora muito vilipendiado por questões de natureza ideológica) na história recente de Cabo Verde. A questão do seu valor patrimonial e arquitectónico não pode ser decidida por leigos na matéria ou desinformados, mas sim por peritos experientes, que partindo de conjunto de parâmetros objectivos, que envolvem considerações históricas, arquitectónicas etc, definem uma classificação. Neste aspecto, a existência de pontos de vista antagónicos pode ser resolvida com o recurso a uma peritagem internacional independente.

O que os promotores da petição em favor da conservação alegam é que o processo foi conduzido na ausência total de transparência, não se ouviram nem se consultaram pessoas idóneas ou abalizadas, o que redundou no final num extremar de posições antagónicas e irreconciliáveis. No meu comentário ao artigo da autoria do arquitecto Nuno Ferro (Liberal Online, 03/03/2009) defendi que a alegação, não provada, da existência de 3 mil assinaturas para a demolição do prédio não pode ser determinante, por si só, para uma decisão por quem detém o poder, pois o que está em causa é matéria muito sensível. Raciocinando pelo absurdo, um abaixo-assinado de 50 mil pessoas para demolir o Palácio do Governo também poderia passar a decisão inquestionável.

É arrepiante os gritos que se ouvem pressionando para uma demolição imediata, melhor urgente e incondicional do edifício, sem se estudar alternativas, o que encaminha as coisas para a solução mais fácil, no meu entender. Num mundo onde se ouvem palavras como Reciclagem, Requalificação, Reutilização, Reabilitação e Sustentabilidade, é paradoxal que em C. Verde, país que nasceu da reciclagem das ajudas, da reutilização e da re-injecção dos fundos assim gerados na débil economia dos primeiros anos da independência, se fale em demolição com tanta facilidade e se rejeite de repente, como se de uma obsessão se tratasse, valores patrimoniais considerados agora antigos, ultrapassados ou ‘fora de moda’.

Para os muitos mindelenses que insistem que a casa do Dr. Adriano Duarte Silva tem um valor patrimonial e histórico olham para o conjunto constituído pelos 3 edifícios, Palácio, Liceu Velho e casa do Dr. Adriano Duarte Silva, incluía ainda a casa da família Pedro e Etelvina Neves, (ao conjunto que chamaria de quatro nós) como fazendo parte de uma unidade no espaço, mas sobretudo no tempo, que é o que o mindelense chama ‘temp de caniquinha qonde góte de Mané Jom tá ingordá na gemada’ e esse tempo é representado por esta figura. O desaparecimento deste edifício será o fim da harmonia deste conjunto arquitectónico e é uma ruptura com o passado histórico do Mindelo. É isso, e simplesmente isso.

O espaço em questão precisa de ser requalificado e dignificado, e nesta perspectiva uma solução inteligente aponta para a reabilitação do edifício em questão. De um pardieiro, como foi chamado, ou ponto de refúgio de concidadãos, que infelizmente caíram nas teias da droga, poderá nascer um novo conceito para esta nossa ‘baixa’, desculpem-me ‘alta’ da cidade, o renascer de um novo Mindelo e quem sabe um renascimento urbanístico para as cidades de Cabo Verde. É precisamente da proliferação de mamarrachos e de prédios descomunais, de que Mindelo tornou-se campeão, que não se enquadram no panorama da cidade e que contribuem para o desaparecimento dos seus marcos históricos, assim como para o apagamento da sua estrutura arquitectónica, que poderão surgir os problemas sociais, à semelhança do que aconteceu a partir dos anos 80 nas grandes cidades do Mundo.

Considero que os quatro nós, que acima identifiquei, deverão ser enquadrados em futuros planos culturais e turísticos de dignificação da cidade, pelo que não faz muito sentido transformar um espaço exíguo numa zona de grande circulação e de grande pressão devido à localização de uma Delegacia de Saúde, para o grande público, ou seja toda a população do Mindelo. Como o arquitecto Nuno Ferro frisou (Liberal Online, 08.03.10), as características da área onde se quer implantar este centro, podem não ser as mais adequadas para colocar um edifício de grande porte, se calhar mais outro mamaracho, com todo o seu espaço vital (acessos, etc.). Um serviço de saúde moderno e voltado para o futuro exige, condições de acessos, espaço para expansão futura e possibilidade de anexar outros serviços afins. Mindelo ainda não tem um repositório para a sua história. Um Museu que dignifique a cidade e havendo aposta num turismo de qualidade, no desenvolvimento de um complexo universitário na cidade é preciso ter ofertas culturais. De novo surgem estes quatro nós. Dadas as características e localização do prédio uma utilização mais sensata poderia ser, na minha opinião, um Museu da Cidade ou um outro projecto cultural que projecte esta cidade para o futuro.

O que está acontecer com esta casa e o cine Eden Park leva a interrogar se já não é tempo de se criar uma associação em defesa do Mindelo, para inventariar todo o património material e imaterial da cidade, classificar e encontrar recursos à sua preservação e requalificação. É preciso criar mecanismos que defendam esta cidade de investidas de diferentes interesses. A nossa cidade hoje está-se consumindo a lume brando e na indiferença geral. Concordo com o sociólogo Luíz Silva quando diz que o Palácio em São Vicente está destinado aos ratos e às moscas e que este merecia um destino bem digno. É precisamente devido ao estado da bandalheira e ao uso aos pontapés do património que se chega a situações de degradação extrema e propostas de demolição imediata. Amanhã no mundo liberal em que biliões circulam à velocidade da luz, as investidas de interesses imobiliários e fundiários serão tal que se não houver legislação nem políticas adequadas em relação ao património das cidades, irão os dedos e os anéis ao mesmo tempo.

A todos os subscritores da petição e ao núcleo inicial lanço o seguinte repto:
-Sendo por um lado o Dr. Jacques Nicolau de Sallis e Celerina francês ou de origem francesa, e tendo em conta que Roberto Duarte Silva, parente de Adriano Duarte Silva, foi um grande cientista caboverdeano em França no Século XIX que recebeu a mais alta distinção honorífica deste país (Saial, 2007), não poder-se-ia explorar a hipótese de um envolvimento da França, da cooperação francesa na Praia, ou mesmo de uma organização não governamental francesa, para dar um apoio técnico e financeiro, para conjuntamente com técnicos locais e nacionais interessados, avaliar o património, com o objectivo da sua preservação, conservação e transformação, num museu do Mindelo ou numa instituição de interesse público.

- Urge organizar iniciativas envolvendo um conjunto de técnicos, peritos e pessoas da cultura, nacionais e internacionais a fim de estudar as hipóteses de Mindelo, em coordenação com as autoridades municipais e centrais, candidatar-se aos grandes programas europeus ou internacionais de requalificação urbanística e de património cultural. Pois há dinheiros disponíveis. Todas as cidades portuguesas vem beneficiando desde os finais dos anos 90, através do Programa Polis co-financiado pela UE, de projectos de requalificação que permitiram preservar e restaurar o património que como em Cabo Verde estava a cair de podre (museus, edifícios públicos, centros das cidades etc). Mindelo precisa de ser mais acarinhada.

É preciso uma nova ideia/conceito para a cidade do Mindelo. Precisamos não somente de internacionalizar o nosso Carnaval e o festival de Baía das Gatas, mas também fazer com que Mindelo se abra ao mundo e ao Sec. XXI, como é sua vocação, para que num futuro esta cidade volte a ser o grande centro cultural de Cabo Verde. Podemos sonhar com a nossa cidade palco de grandes eventos internacionais, de cariz cultural (teatros, concertos, festivais de música do mundo, do jazz, música contemporânea, música clássica, etc), artístico e científico. Que especialistas de todo o Mundo possam um dia visitar a nossa ilha, proferir palestras e seminários em todas as áreas do saber, que se realizem workshops, seminários e congressos internacionais, que se instalem empresas de ponta e centros de pesquisa em áreas de interesse para a humanidade e o planeta Terra. Enfim, que possamos ter um grande campus universitário internacional de excelência aberto ao Mundo onde os nossos jovens e investigadores possam contactar com os melhores e com o melhor que se faz no Mundo.

- Urge dinamizar o grupo de defesa do património do Mindelo para criar uma autêntica força de pressão e para a defesa dos interesses da cidade.

Quero aqui expressar a todos os moradores do bairro onde se situa a ‘casa das contendas’ a minha compreensão e solidariedade à revolta publicamente exprimida, que não é mais do que um manifesto contra o estado de abandono e desleixo a que as autoridades votaram o imóvel. Não se pode exigir, para o bem da saúde pública, nada menos do que medidas imediatas tendendo ao saneamento urgente do local e à protecção e segurança do espaço em torno.

Que esta luta travada no Mindelo sirva de exemplo para as restantes cidades de C. Verde, de S. Antão a Brava, que de certeza não estão imunes aos ventos dos novos tempos, para que labutem para a preservação do seu património histórico e cultural, seja em que condição estiver.
Viva a cidade do Mindelo, Viva Cabo Verde
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Referências:
Joaquim Saial, A coluna de Joaquim Saial CABVERD DI MEU, 11.01. 07.
Nuno Ferro Marques, Antipetição e Destruição do Mindelo, Cabo Verde, Liberal Online, 03.03.07.
Nuno Ferro Marques, Delegacia de Saúde e Património Urbano, Liberal Online, 08.03.07.

O PATRIMÓNIO ARQUITECTÓNICO E HISTÓRICO DO MINDELO TEM OS SEUS DIAS CONTADOS?
Aquando da minha última estadia na cidade do Mindelo, em conversa com várias pessoas e através da leitura de um artigo de opinião da autoria do deputado Maurino Delgado, publicado no Terra Nova, tive conhecimento das ameaças que pairam sobre o património histórico e arquitectónico da cidade. Desde a independência muitas referências da ilha de S. Vicente vêm sistematicamente desaparecendo.
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Começou-se pela eliminação da praia da Matiota, a descaracterização da Praça Estrela e da parte traseira do edifício da Câmara Municipal, a demolição do edifício da antiga Fazenda, do PIC-NIC, do Miradouro Craveiro Lopes etc. Será que o Palácio do Governo, a réplica da Torre de Belém ou o “pássaro”, monumento comemorativo da travessia do atlântico por Gago Coutinho e Sacadura Cabral, têm os seus dias contados? Qual será o próximo a ser sacrificado nesta bulimia destrutiva que tomou conta da cidade do Mindelo? Neste momento está em causa, embora parece que haja alguma hesitação por parte das autoridades, a destruição pura e simples de mais um ex-libris da cidade, a casa do Dr. Adriano Duarte Silva, homem de qualidades humanistas e que muito lutou pela defesa dos interesses da terra. Também soube que o Fortim o Madeiral estão ou estiveram na calha.
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É incompreensível quando se assiste à elevação da Cidade Velha ao estatuto de maravilhas do mundo português e de património da humanidade, que o governo de C. Verde não actue no sentido da protecção e preservação do património da cidade do Mindelo, ou pior autorize a sua destruição. Talvez desconheçam a história do Mindelo e dos ilustres protagonistas que contribuíram para o progresso da ilha. Também, não se percebe como é que uma cidade que se diz capital cultural de C. Verde, apelação hoje em dia muito contestada, e com razão, devido ao estado avançado da decadência da ilha, não tenha ainda um Museu digno do seu nome. A preservação da casa do Dr. Adriano Duarte Silva devia ser feita numa óptica da sua transformação em Museu da Cidade.
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A cidade do Mindelo foi planeada e traçada pelos ingleses, que lhe imprimiram um estilo arquitectónico único em C. Verde. Os portugueses e os caboverdeanos, contribuíram em seguida para a definição de uma cidade bela e harmoniosa que encanta todos os que a visitam. A independência correspondeu a um período charneira para a cidade do Mindelo. Com ela a nova geração de arquitectos e engenheiros que tomou conta da câmara, muitos deles formados nas escolas do leste europeu, imprimiram à cidade um novo estilo arquitectónico que veio chocar com tudo o que se fazia antes.
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Como já disse o primeiro atentado à cidade do Mindelo surgiu com a justaposição de um prédio na parte traseira da câmara Municipal e seguiu-se à destruição do edifício da Fazenda. A partir daí nunca mais o trabalho de demolição parou. Desrespeitando o estilo colonial do centro da cidade que até então, salvo casos excepcionais, raramente era posta em causa, a nova burguesia começou a construir cada vez mais em altura, em geral na periferia da cidade, para aos poucos atingir o seu centro nevrálgico. Hoje, o perigo é maior, a especulação imobiliária. Quarteirões inteiros, incluindo casas de estilo colonial, foram abatidos ou estão na calha para serem substituídos por empreendimentos imobiliários imponentes, numa clara tendência de instaurar no centro histórico da cidade o domínio do betão.
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As autoridades alegam que não podem impedir que os donos das casinhas típicas do Mindelo, muitas vezes emigrantes, realizem o seu sonho, em construir como bem entenderem. Embora este anseio seja legítimo, a Câmara Municipal tem a responsabilidade de preservar e legar para as gerações futuras um património que herdou. Ela deve ter uma política urbanística para a cidade, mais exigente, e que defenda os interesses da cidade. Basta passar pela rua do Côco, Suburbana e da Moeda, para constatar a situação calamitosa do urbanismo em Mindelo: essas ruas estão irreconhecíveis.
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A lista das aberrações que pululam pela cidade é enorme, incluem o prédio do MindelHotel, o mamarracho construído atrás do Centro Nacional de Artesanato (edifício que albergava a Rádio Barlavento) e vários novos prédios que crescem como cogumelos e de maneira desordenada pela cidade, completam o seu panorama actual. Abatem-se casas típicas da cidade ou casas de estilo colonial, e substituem-nas por autênticos caixotes inestéticos, muitas vezes salientes e de vários andares, desalinhados dos restantes edifícios. A este ritmo daqui a poucas décadas Mindelo ficará irreconhecível, perderá para sempre o seu centro histórico, e transformar-se-á na cidade campeã dos ‘mamarrachos’, e a capital do estilo ‘kitch’.
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É contra esta tendência que os mindelenses devem lutar, pois se perderem a sua cidade também perderão para sempre a sua identidade. Tendo em conta o seu património arquitectónico, Mindelo tem potencialidades para se constituir num produto cultural e turístico de excelência, representando um investimento com forte potencial e valor acrescentado, pelo que a sua desfiguração põe em causa este trunfo importante. Por outro lado, não se percebe a tendência actual em construir em altura no centro da cidade quando a tendência mundial é precisamente o contrário, isto é no sentido de restaurar as partes antigas das cidades. Claro que há muitas casinhas que não constituem património nenhum e que podem ser abatidas.
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O que está em causa é o frenesim de construção onde não se respeita a linha arquitectónica existente. Muitas das cidades da Europa têm uma designação ‘A Nova’, sobretudo cidades do norte da Europa, francesas, alemãs, holandesas etc, que corresponde a áreas delimitadas onde o moderno emerge sem interferir com o antigo. Faria bem aos nossos arquitectos que viajassem pelas pequenas cidades europeias e visitassem as zonas turísticas do mediterrâneo francês para ver como é que se conseguiu recuperar sítios inteiros da corrosão do urbanismo e se tipificaram vilas e cidades a património histórico. Convido-os, por exemplo, para uma viagem pelo sul da França, para conhecer a típica vila provençal de Bormes-les-Mimosas, ou as cidades de Hières, Toulon, St. Tropez, Carcassone, Biarritz, etc, pois aí poderão ter muita inspiração nos seus projectos urbanísticos e reciclar os seus conhecimentos.
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Estamos portanto em Mindelo em contra-ciclo com aquilo que se pensa e se faz actualmente no Mundo moderno e civilizado, cometendo os mesmos erros que na Europa durante o período de crescimento dos anos 50 e 60. Antes que seja tarde demais e que reste da cidade somente um amontoado de prédios, os mindelenses têm que se solidarizar em defesa do património da sua cidade, que é também de C.Verde.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

  • AVE! ASSEMBLEIA MUNICIPAL DE SÃO VICENTE… A CULTURA CONTA!
A Assembleia Municipal de S. Vicente aprovou a proposta – apresentada por cidadãos membros da ADEMOS em São Vicente – com vista a preservação da Casa Adriana. O MPD e UCID votaram a favor e o PAICV absteve-se, tendo a UCID, inclusive, apresentado locais alternativos à construção da Delegacia de Saúde (14 votos a favor e 7 abstenções). Note-se que, em recentes declarações à comunicação social, o Ministro da Saúde, Basílio Ramos, disse que não havia alternativas, em termos de terreno disponível, para a construção da Delegacia de Saúde. O que é dizer que, existindo alternativas, o Governo deverá ponderar a sua posição nesta matéria. E existem alternativas! A cultura conta!
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Esta é, por hora, uma boa nova. Ave deputados do Município de S. Vicente! soubestes perceber o que está em causa, embeber a essência da nobreza que é salvar e preservar a memória colectiva da cidade do Mindelo e que, em verdade, deveria ser uma coisa a ser percebida por todos. A cultura conta!
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São rosas, Senhores; são rosas…

quinta-feira, 27 de maio de 2010

«Casa Adriana» em Assembleia Municipal de 27 e 28 de Maio de 2010.
CLASSIFICAÇÃO DA "CASA ADRIANA"

Justificação histórica da proposta de classificação da ex-residência da família Duarte Silva no Mindelo como património histórico-arquitectónico da República de Cabo Verde.
Ângela Sofia Benoliel Coutinho* com a colaboração de João Nobre de Oliveira

 Apesar da República de Cabo Verde ser um dos países africanos cuja História Contemporânea foi até agora menos estudada, é sabido pelos historiadores que, desde o advento da Monarquia Constitucional em Portugal, em 1822, foi colocada e largamente debatida a questão do estatuto das populações das colónias do então Império português, assim como a autonomia política das mesmas.

Os republicanos cabo-verdianos pensaram que essa questão seria resolvida com a implantação da República (1910), mas as suas expectativas foram goradas e, mais tarde, definitivamente frustradas com o regime do Estado Novo (1933), que centralizou os poderes de decisão na metrópole, diminuindo até a liberdade de acção dos governadores.

E nunca é demais recordar que este mesmo regime reforçou nos anos trinta as leis discriminatórias entre os naturais das colónias e os da então metrópole, leis que transformavam o próprio Dr. Adriano em “português de segunda”.

Concomitantemente, o poder económico das famílias proprietárias cabo-verdianas foi diminuindo ao longo do século XIX, tendo surgido uma nova elite comercial na cidade do Mindelo, que a partir do último quartel desse século, tornou-se o pólo económico, e sobretudo, financeiro, mais dinâmico e importante do arquipélago.

No entanto, foi durante o século XX, no período que decorre até a Segunda Guerra Mundial, com as secas dos anos 1901-04, 20 a 24 e 43 e 47, que muitos proprietários e produtores agrícolas cabo-verdianos viram chegar a sua falência, com a correspondente decadência social da sua classe, devido, entre outros factores, à política de hipotecas levada a cabo pelo Banco Nacional Ultramarino.

Por sua vez, a elite comercial do arquipélago, que ficara fortemente abalada com a crise económica dos anos trinta, a mesma crise que levaria aos protestos de 1934 no Mindelo com o saque de armazéns por populares, quando esta elite comercial lutava para sobreviver à crise terá sofrido um forte revés na sua luta com a criação, em 1943, da SAGA, empresa que passou a deter o monopólio da importação e exportação no arquipélago, impedindo assim a actividade empresarial destes comerciantes, e conduzindo à falência de muitos deles.

É neste contexto geral que se deve entender a actuação da família Duarte Silva, ao longo da primeira metade do século XX em Cabo Verde.

Tratando-se de uma família de proprietários e comerciantes originários de Santo Antão, Ribeira Grande, terão representado a luta que esta elite económica travou com vista à sua sobrevivência e a uma maior autonomia política da então colónia, luta semelhante à que foi travada pelas elites africanas noutras colónias, tanto integradas no Império português como noutros.

Assim, na cidade do Mindelo, nos anos trinta, um dos irmãos, Daniel, era capitão dos Portos de Cabo Verde, e chegou a ser contra-almirante da Marinha Portuguesa, outro, Raul, era administrador do Concelho de S. Vicente e o dr. Adriano foi reitor do Liceu Gil Eanes e seria a partir de 1946 deputado por Cabo Verde na Assembleia da República Portuguesa, onde, logo numa das suas primeiras intervenções atacou as leis discriminatórias relembrando o caso da Alemanha Nazi. Nessa altura, dizia-se que a família Duarte Silva mandava em S. Vicente, devido à importância dos cargos e do consequente poder de decisão que detinham estes três irmãos. Tanto mais que os seus meios-irmãos, Manuel Ribeiro d’Almeida, mais conhecido por “Leça” Ribeiro e Raul do Rosário Ribeiro tiveram um papel fundamental na História da Imprensa Cabo-Verdiana, na fundação e direcção do jornal Notícias de Cabo Verde, o jornal de iniciativa privada de maior longevidade na época colonial em Cabo Verde. De entre os vários colaboradores deste jornal, conta-se Juvenal Cabral, que em dado momento foi o correspondente na ilha de Santiago. Manuel Ribeiro d’Almeida, industrial, foi também presidente da Câmara de S. Vicente quando o seu irmão Daniel era capitão dos Portos de Cabo Verde.

Como professor e reitor do liceu, o dr. Adriano Duarte Silva, através das suas relações na metrópole, e juntamente com o seu primo Joaquim Duarte Silva, terá desempenhado um papel importante na sua reabertura, após o encerramento ordenado no ano de 1937.

Está já demonstrado que este liceu, que renasceu no mesmo ano com o nome de ‘Gil Eanes’, foi o local onde estudaram todos os futuros dirigentes do movimento independentista e a esmagadora maioria dos membros do governo em Cabo Verde durante os quinze primeiros anos após a independência. Foi também onde estudou a grande maioria dos escritores e até compositores que se notabilizaram em Cabo Verde e no estrangeiro, da última fase do período colonial até às primeiras décadas do pós-independência. Um deles, o celebérrimo compositor B. Lèza, foi protegido pelo dr. Adriano Duarte Silva, a dada altura da sua vida.

De entre as lutas políticas travadas pelo dr. Adriano, é de salientar a que foi feita em prol da obtenção do estatuto de adjacência para Cabo Verde, que permitiria viabilizar os investimentos em infra-estruturas de que a então colónia necessitava para o desenvolvimento da sua economia. Com efeito, o estatuto de colónia impossibilitava, por definição, que a metrópole atribuísse fundos avultados para investimentos, uma vez que era suposto que as colónias em geral gerassem rendimentos para as respectivas metrópoles e que não dessem quaisquer gastos.

O facto desta sua luta não ter sido bem sucedida terá feito com que muitos cabo-verdianos atentos a estas questões compreendessem que a classe política portuguesa, no seu conjunto, não estava interessada nesta proposta feita desde há muito, e tê-los-á afastado definitivamente de um qualquer projecto de uma maior autonomia no quadro do Império português. A geração seguinte, num contexto histórico de queda dos Impérios coloniais europeus e de independência da grande maioria dos países africanos, pôde avançar com um projecto concreto de luta pela independência nacional de Cabo Verde.

A residência da família Duarte Silva no Mindelo, uma das mais antigas na cidade, já que a sua construção pelo dr. Salis é anterior a 1870, mereceria só por este facto a classificação como património histórico municipal. No entanto, ela representa, sobretudo pela escadaria que foi mandada construir pelo dr. Adriano Duarte Silva, a luta travada por essa elite autóctone contra o poder destrutivo exercido pela metrópole, num contexto histórico em que a luta pela independência não era sequer concretamente pensada pelas elites das colónias do continente africano no seu conjunto. A imponência que esta residência e as suas escadarias conseguem transmitir, encontrando-se relativamente perto do Palácio do Governador, representa o desafio lançado por esta elite ao poder metropolitano, representando também o poder que almejava ter ou que, de facto, deteve, nesta última fase do período colonial e antes da sua derradeira decadência, numa atitude de confronto com o poder colonial que terá inspirado e até formado as gerações seguintes.

Por este facto, é nosso entender que esta residência merece a classificação de património histórico nacional de Cabo Verde, ao mesmo título que os palácios dos governadores em Cabo Verde, na Praia e no Mindelo.

De entre os muitos aspectos que será necessário aprofundar sobre esta época e sobre a vida desta e doutras personagens da nossa História, através de uma pesquisa histórica rigorosa e de uma análise crítica e sistematizada de todas as fontes disponíveis, há a relação entre o dr. Adriano Duarte Silva e o seu primo Martinho Nobre de Mello, um dos intelectuais pan-africanistas mais prestigiados entre a elite africana em Lisboa durante a Primeira República. Está também ainda por estudar a sua relação com Amílcar Cabral, aluno e primeiro bolseiro do Liceu Gil Eanes na metrópole, e que teve a nota final de todo invulgar de 20 valores na disciplina de “Organização Política”, normalmente leccionada pelo dr. Adriano Duarte Silva.

Por fim, parece-nos útil sublinhar o facto de que o edifício em causa corresponde aos valores de memória, raridade, antiguidade e singularidade exigíveis para a sua classificação como património de interesse público.

Memória, pois remete-nos para essa derradeira luta perdida de uma maior autonomia das elites locais, que terá levado a geração seguinte a procurar desde logo, uma solução política diferente para os problemas com que a sociedade colonial cabo-verdiana se debatia, e que têm sido enfrentados, e em grande medida, ultrapassados na caminhada do país independente. Representa, pois, um marco na nossa trajectória colectiva como nação.

Raridade, pois raras são as casas senhoriais tão imponentes na cidade do Mindelo, na altura, a maior cidade do arquipélago e antiguidade, já que se trata de uma das suas construções mais antigas.

Por fim, singularidade, pois trata-se do único edifício que representa tão fortemente a luta pela afirmação dos cabo-verdianos num contexto sócio-político tão adverso como foi o da última fase do período colonial, sob o regime salazarista, com as fomes dos anos ’40, a emigração em massa e, por fim, a guerra, que marcaram de forma indelével a nossa História colectiva.
___________
Notas:
Imagens NFM – 2010
1. Casa Adriana
2. Palácio; Pracinha do Liceu; Liceu Velho; Casa Adriana; e Casa Pedro e Etelvina Neves (Google)
3. Escadarias da Casa Adriana
4. Liceu Velho
5. Palácio
Para mais informações, consulte http://cultura-adriana.blogspot.com/
* Investigadora no CESNOVA – Universidade Nova de Lisboa. Doutora em História de África
Contemporânea, Universidade de Paris I – Panthéon – Sorbonne / Investigadora do STORG – Cabo Verde

Casa Adriana, Escadaria, Bairro Adriano, Liceu Velho e Palácio





Jon d’Alcanja Pescador de Deserta - Zizim Figuera

Pa mi, Zizim, naquel tempe ‘m ca nem sabia czê qu’era ecosistema ô ecologia e no entante, Ti Jon e tude sês cumpanher pescador jás sabia, sem nunca ninguém ter ês dezîde nada ô estudode na livre! Na mei daquel conversa, bem Ti Jon um mau lembrança n’ideia e chei de raiba, log el rancá ta contone dum vez cum Presidente de Câmara Municipal de Soncente, que tava estode ta mandá panhá catchorre e que ca queris mandá matás. Anton, resolvê mandá ba betás lá pa Deserta, godzide qu’era amdjor assim… Cosa que fui um ingone de matá! Quel tal Presidente, sem pensá, fazê um grande erro ecológico, que fui um verdader desgraça pa quel pove pescador, quê quês catchorre, que fome, ês pô ta tacá e ta cmê tude o quês pude e pudia otchá la pa Deserta… E fui assim, que desaparceba entre otes espécie quel célebre, bnite e rore LAGORTE de Djeu Roze, por nome de MACROSCINCUS COCTEI.

Obra incontornável de Zizim Figuera, sobre a ecologia, em ambas vertentes, a ambiental e a cultural, e a lição dos homens do mar, nestas ilhas e ilhéus de Cabo Verde. Obrigado, Zizim. Nuno Marques

Jon d’Alcanja Pescador de Deserta
(Santa Luzia / Djeu Brónc / Djeu Roze)

Num daquês dia ventose d’equinoce de Setembre, nôs grupe de caça submarina de Soncente parcê lá pa Calhau, ponta leste d’ ilha, sobede da tarde, moda era de custume, qu’ideia na ba da uns merguie la pa quês banda.

Vontade era grande, quê Mone Lela, Deus dal céu, amigue bedje e pescador d’experiença daquês costa, que tava vivê naquel tempe log n’entrada de Baía das Gatas, tava passá sê vida, tude vez que no parceba la pa quês banda de seu, ta despertone ideia naquês bonque de pexe tchmode mareloce (pexe parcide que badeje/merote) que tava parcê sempre naquel épca, lá pa quel mar de Calhau quel tava conchê mute bem, ondê que té jal tinha fete sês marcação de pesquer da lá de lorgue p’aquel Pedra Brónc de Ponta de Vulcão de Viana.

Inflizmente quel dia lassim, ideia de Mone Lela ca pegá, quê ideia era ote e mez pa sorte nô incontraba ta bem de mar Ti Manel de Matos, que Deus haja, e sê grupe, que tinha estode tude quel note lá p’aquês costa ta pescá num de sês bote de Calhau, quel ta tinha intregode na conta de sê cumpade e amigue Ti Jon d’Alcanja.

Tude nôs ba ijdá rastá bote, o qu’era sempre um prazer grande, só p’uvida quel cantiga moda um tchore dirigide, pa da pove coraja, naquel voz roque e baxim de Ti Jon d’Alcanja, de: - Ó sacada riba..., que tude gente tava sigui sem piá. Na mei daquel trabói de rastá bote, cumeçá um conversa entre Jurgim Fonseca e Ti Manel de Matos p’oiá s’el pudia imprestaba nôs quel bote a vela de seu pa no basse inda quel dia mez té Deserta (Ilha de Santa Luzia / Djeu Roze / Djeu Brónc) dasse um tchluff.

Ti Manel, bom home, que ca tava gostá nunca de dzê pove cma não, vrá dzene cma pa el ca tinha prublema, ma só que patron de bote la na Calhau era sê cumpade Jon d’Alcanja e só el é que pudia decidi! Pa nô falaba ma el. Anton, Jurgim, Djibla, Edgar Sousa, Rui Machado, Manecas Matos, Djô Borja, Julim de Siminhas e mi mez, tude nôs juntode, contente c’aquel ideia, quê pa nôs, talvez tava ta ba ser nôs primer viaja pa Deserta, o que sempre pa nôs fui um sonhe, mode fama de pra la ter tcheu pexe... No ba log ta corrê ter de Ti Jon perguntal czê quel tava otchá.

Ti Jon, pescador de “Costa e de Deserta”, marinher experimentode, pai de tonte geraçon de pescador daquês banda que prendeba pescá e navegá ma el, pô cara pa vente, na direção de Deserta, el vrá pa nôs ta espione na tude sê calma de custume traduzide naquel firmeza d’home de mar e na sê manera monse de falá, mei SanAnton, mei Soncente, el dzene:

- Ó nhis gente, s’ucis querê ba, nô ta bai! Só qu’uli um hora da tarde e dali a três hora nô n’tita ba podê passá quel Canal de Soncente / Santa Luzia sem moiá!

Jurgim, armode em bom, ta dá pa esperte e valente, bem log que sê gargantona de gaita ta mandá boca, log ta contrariá Ti Jon e ta dzê:

- Qual estória! Vamos embora, rapazes, pois tudo isto são tretas!

Godzide, o que Ti Jon tava ta dzê era amtira... Ti Manel fecá prop zarode q’atitude de Jurgim, mode sê bajofaria e pa do quel tinha cabode de dzê sem nium respeite pa quel home de mar na pessoa de Ti Jon d’Alcanja, mestre cunchide de tude pescador de costa de Soncente, SanNinclau e Sinagoga de SanAnton! Log Ti Manel rancá, el dal sê bom resposta e que razon:

- Jorge, Jorge, amdjor é bô uvi czê que cumpade Jon tita dzê! Quê, se bô ca sabê, el nascê, criá prei e ta conchê tude esse costa, sês mar e sês corrente, moda palma de sê mon…

Anton, Ti Jon, sempre na sê humildade, cuntinuá:

- Nhis gente, só esse quebra c’um está é que ta fezem ba longá ucis té Deserta!

Jal tchemá sês cumpanher Bastion, Gustim, mnine de sê scola, ma quel gigante dum broce só por nome de Nhô Jon Monque, que tinha pirdide quel ote broce ta trá lin de pardal naquês poce d’aga lá pa quês compe. Jurgim quel dia ca tava que sorte, quê, pa mode prisença de Jon Monque, el torná mandá más um boca infliz:

- Como é que é? Lá vamos levar este homem connosco? Ele só vai ocupar mais um lugar no barco!

Tude nôs espiá pa Jurgim, chatiode, sem dzel nada ma que graça de mandal calá boca. Ti Jon, ote vez que sê calma, sem zangá, vrá pa Jurgim, el pô cosa na lugar de sê manera:

- Senhor Jorge, o que ocê n’sebe é qu’esse home que t’ei, um vez na Deserta no bibê um aga mariode, se n’era el, nôs tude tava merrê! Quê el só que sê broce fezê tude manobra que bote, pô vela e trezê nôs tude pa casa, c’ajuda de Deus!

Tempe já ca tava pa más conversa, log pa depressa fui preparode tude pa quel viaja. Tude gente linhá. Ti Jon destribuine dentre de bote, cada um na sê lugar, pa equilibrá e sempre ta dzene cma maré já tava vrode e que no tava ta ba moiá… e drete!

´M ca nem sabê cmanera explicá ô manifestá do que nô sinti naquel hora e meia ô dôs ta travessá quel inferre de Mar de Canal… Basta boca quel tarde dá nôs tude goste de sabon! Jurgim, sentode lá na sê lugar ondê que Ti Jon tinha el puste, tava cum carinha mode mei toston, ca tava nem ta piá nem mexê quê, pa de pressa, el comprendê situaçon!

Ti Jon, pegode na leme de sê bote nem um GRANDE CAPTON quel era, Gustim ma Bastion na vela, que Jon Monque ta esgotá ága de bote c’aquel lata de pitrol, rapte dmunde e cum broce só! Nôs butim, valente, que sê vela chei de vente, além ta bai, ta bai, ta sebí, ta dexí na mei de brónc daquês castel de mar, ta bai nem um cavalim de currida, ta ratchá aga cum força matá e Deus ta cumpanhone!

Um verdader escola d’arte de navegá de Ti Jon, pa fazê calá boca tude valenton e bajofe desse munde pôs quel Canal que ta lá n’é de brincadera de mnine d’escola quê el tem levode tcheu vida de pescador, sobretude naquel Ponta de Vulcon de Viana, moda Ti Jon bem contame despôs! Pa camin no cruzá uns seis o sete bote de pesca, já ta bem de volta de Deserta. Quaz tude ês, bedje que nove naquês bote, tava conchê e respeitá Ti Jon d’Alcanja. Normalmente, quel hora lá era de bem e não de bai pa Deserta, pa mode era hora de vrada de maré ma currente! Anton, tude quês cumpanher de mar, espantode, que sês bote ta passá rojadim na nôs, dá Ti Jon fala:

- Ó Jon d’Alcanja, czê que bô tem na quebeça? Bô n’tita oá ês cestel mar ma esse meré?! Cmenera Jon, já bô perdê quebeça?! Ô bô inganá?! Onje de bô guarda, Sonte de bô nome, Jon!

Ti Jon, muque, imbutchode sem podê dás resposta, cuntinuá pegode na sê leme, t’uvi quês palavra dure de sês cumpanher de mar de tude dia. Ma na funde el sabia quês tinha razon e quês tava ta dzel assim era pa sê bem, mode mizade e respeite quês tinha pa el. Ma naquel hora lassim, Ti Jon ca tinha jete pa dasse ninguém explicaçon, quê quel mar revultiode ca tava nem ta dexá… Só o quel pude dzê nòs, naquel hora, fui cma quês lá n’era pescodor de Selamansa ma sim pescodor de Senagoga - SanAnton, carregode de PTIM de CAGARRA, bem gorde ta bem de Deserta pa casa!

Viaja cuntinuá na mei daquel vente e mar, que nôs ma Ti Jon e quel butim ora ta sebí, ora ta dexí, ora ta mandá largá vela, mode rajada… Vrá de popa pa onda, corrê, corrê, corrê, panhá vela ote vez, proveitá, buliná, buliná, buliná na direçon de Stª. Luzia, ága e más ága pa derriba de nôs! Quê lá ca tinha perdon!

Despôs de tude aquel vintura durante quaz duas hora, no tchegá na porto de salvamente, dentre de Baía de Stª. Luzia (Purtim), mar já um csinha más bronde e gente tude moiode, moda uns ptim de galinha na dia de tchuva.

Naquel tarde, fui desimbarcá, muntá tenda, fazê quel fagon de três pedra e prepará um café quente, pa nô pudia matá quel frieza de mar. Intcharcode moda no tava, ropa fui tude trode, puste derriba de pedra ta secá. Flizmente, note tava quente. Tempe que tive fui de só tmá quel golpada d’aga quente e procurá log jete de ba descansá corpe um bocode, quê note tava ta ba ser grande e no dia seguinte no tinha que estode em forma pa quel fulguim pudesse guentá quês merguie.

Ti Jon ma sês cumpanher, ês ba fatchá pa praia que sês luz de fotche de pitrole pa panhasse plarde (quês carangueje bronque de praia), bom isca pa linha de pesca. Era ba ta panhasse, ba ta cortás sês pinça pês ca cmesse cumpanher e ba ta metês num lata. Assim ês tava usás pa pescá lá na Dserta e de volta pa Calhau ês ta tinha inda isca pa tcheu dia, quê quês praia lá deboxe quaz que já ca tinha plarde… e pesca era tude sustente de vida de sês casa!

Cma lá na tenda quês carrangueje ca tava ta dexá gente durmi, quê ês tava fecá só ta corrê dentre e ta querê mordê gente na pé… Anton, ‘m ba cumpanhá Ti Jon ma sês colega na praia pa ijdás panhá plarde. Logue quonde um tchegá, moda era custume e pa respeite, um estendel nha mon, um dzel:

- Cê betame bençon, Ti Jon.

Lá Ti Jon, cma el tava concheme desde piqnim, fecá tude contente, el dzeme «Ó, Izizim (moda el tava custumá tchemame), Deus bençuobe nha fi, onje de bô guarda sonte de bô nome e obrigode p’esse ajuda, quê sempre é bom más um broce.

Anton, naquel praia de note, deboxe daquel luz de cafotche, fui um verdader riqueza d’escola de vida, daquês cosa que ta marcá um pessoa pa tude tempe, quonde bô ta cumeçá ta prendê orija de cosa...

Quê Ti Jon ba ta contá nôs uns data de Storia de Deserta e ses bitche (Cagarra, Robe Junque, Fregata ma quês Lagorte q’um vez tinha) e pescador ma sês pesca, sês luta pa subrevivência naquel munde de seus. No entante, Ti Jon ca sabia nem lê nem escrevê, ma culpa n’era de seu de ter nascide na pobreza!

Ma, el na sê munde, de programação cosmica, fui formode e formá um data de gente n’arte de navegá, prindide ma sê falecide pai Antuzim, home de mar também cunchide e respeitode de tude quel pove pescador.

Formode na maré, na currente de mar, na ecologia e más cosa d’admirá, que quonde gente querê uvi, gente ta podê e sabê apreciá expriença de vida prática dum bedje lobe de mar moda Ti Jon d’Alcanja! Nhas gente, lá é que t’oiode cma “Inteligência, dvera, dvera, é Universal” e nada tem a ver q’instrução…

Conversa continuá nimode, na luz de cafotche daquel praia, ma Ti Jon d’Alcanja e sês cumpanher, sempre priucupode c’aquel tempe, qu’era tempe de panhá CAGARRA na Deserta e que té inda ês n’tinha bode panhá sês parte lá na Djeu Roze!

Um vrá, sem pensá, um dzel:

- Ma quês otes pescador de Senagoga ma SanNiclau ca tita ba dexá bsote nada!

El espiame, que sês oie de gote e na expresson d’home serie quel era, el dzeme:

- Non, Izizim! Pescodor é pobre ma pa lei de DEUS no sebe parti nôs miséria!

Quel lição de vida cuntinuá na praia de Santa Luzia:

- Bô t’oá, quês dôs Djeu lá, Bronque ma Roze? Tude one, nesse tempe, quonde Deus querê, que ta tem tcheu CAGARRA e é one de fartura. No ta panhá um bocode de ptim MA NO CA TA PANHÁS TUDE, quê Deus Nosse Senhor n’ta fecá contente! Mez se nô panhás tude, czê que ta fecá pa nô panhá despôs?

Pa mi, Zizim, naquel tempe ‘m ca nem sabia czê qu’era ecosistema ô ecologia e no entante, Ti Jon e tude sês cumpanher pescador jás sabia, sem nunca ninguém ter ês dezîde nada ô estudode na livre! Na mei daquel conversa, bem Ti Jon um mau lembrança n’ideia e chei de raiba, log el rancá ta contone dum vez cum Presidente de Câmara Municipal de Soncente, que tava estode ta mandá panhá catchorre e que ca queris mandá matás. Anton, resolvê mandá ba betás lá pa Deserta, godzide qu’era amdjor assim… Cosa que fui um ingone de matá!

Quel tal Presidente, sem pensá, fazê um grande erro ecológico, que fui um verdader desgraça pa quel pove pescador, quê quês catchorre, que fome, ês pô ta tacá e ta cmê tude o quês pude e pudia otchá la pa Deserta… E fui assim, que desaparceba entre otes espécie quel célebre, bnite e rore LAGORTE de Djeu Roze, por nome de MACROSCINCUS COCTEI.

Quonde lagorte cabá, catchorre vrá ta tacá CAGARRA e otes bitche pês cmê. Anton, Ti Jon ma Bastion cambá morada, ba falá ma Ti Manel de Matos pas oiaba quel situação, quê cosa tava ta vrá prop fei e ca podia cuntinuá assim. Ês fui ubrigode a organizá e contratacá, inflizmente que pastel de venene, pa cababa c’aquês catchorre lá pa Dserta. Quê só assim, sem mundo sabê, quês pude inda salvá tude quel pove pescador de costa de Soncente/SanAnton/SanNiclau e sês família, que sempre vivê de PESCA e de CAGARRA, rique na proteína, de morrê de fome!

Ti Jon na sês lição, quê pa mim tude o quel tava ta dzeme era lição, sabia catalogá
tude quês posse d’orela de mar: Cagarra, Robe de Junque, Guintche, Maçarique-Real, Bicona, Canelona, Garça, Fregata, etc… E tude quês pexe d’isca, moda melon, na cicle de cadeia alimentar que tava cumeçá pa plancton, passode pa pexe de pé de pedra, moda garopa, merote, badeje, té tchegá na pexe de lorgue (pelágicos) moda atum, djeu, dorada, etc...

Mi que boca aberte e chei d’admiraçon t’uvi quel Home falá, quê sês lição era dum grande profundidade e dimensão, que n’altura ‘m ca tava atingi, basiode na experiença de vida… D’admirá! Ma só despôs de tonte one d’experiença de nha prop vida e de nhas escola q’um fazê é q’um bem cunsigui oiá tude quel riqueza exprimental, de sabeduria daquel Bedje Lobe de Mar!

Inda tive más e más storia pa camin, quê no tive que vrá pa tenda mode lata de pitrol já tava chei de carangueje e no tinha que ba descançá quê note já tava olte, que Lua lá na céu ta brilhá na mar.

Na dia seguinte, gente argui que Sol quente e malta ba tude pa mar. Caça submarina fui bom, quê nô trazê pexe pa casa e pa vezim, na mei de tude quel delire de juventude. Aquel camin de regresse fui calme, quê Ti Jon d’Alcanja, na sê expriença, calculá bem hora de largá e sube trazene pa casa na tude sigurança.

Pa nôs e em especial pa mi, na dvera, ca fui quel tal caça-submarina que fui más importante, naquês dôs dia passode na Deserta, mas sim quês lição de VIDA recibide daquês pescador de Deserta, moda TI JON D’ALCANJA MA SÊS CUMPANHER... SARAVAHHH...
Zizim Figuera (José Figueira, Júnior)

Requerimento à AMSV, de 24.Mai.2010

terça-feira, 25 de maio de 2010

Em defesa da «Casa Adriana» e do demais património cultural da Nação - Nuno Ferro Marques

Pretendemos demonstrar o interesse cultural da Casa Dr. Jacques de Salis di Celerina / Casa Dr. Adriano Duarte Silva, em Mindelo (abreviadamente, Casa Adriana), o interesse cultural do conjunto Palácio, Pracinha do Liceu, Liceu Velho, Casa Adriana, Casa Pedro e Etelvina Neves e o interesse cultural do demais património envolvente, bem como demonstrar que a decisão de a Câmara Municipal de São Vicente (CMSV) e o Governo encomendarem a demolição da Casa Adriana, ademais, com os nossos recursos, é no mínimo uma decisão inculta.
Em defesa da «Casa Adriana» e do demais património cultural da Nação

Não possuímos qualquer obrigação, pública ou política, remunerada ou não remunerada, de avançar com quaisquer projectos para a Casa Adriana, sejam eles projectos classificação do património cultural ou projectos de arquitectura alternativos. Assim mesmo, fazemos votos para que o trabalho revelado por estas linhas possa impulsionar outros contributos cívicos, de forma mais organizada, mas também, mais e melhores iniciativas administrativas, políticas e técnicas.

O presente contributo trata de chamar a atenção para a classificação do património cultural, nomeadamente, para a metodologia que passa pela demonstração dos valores de memória, antiguidade, autenticidade, originalidade, raridade, singularidade ou exemplaridade, nos domínios histórico, arquitectónico e social (entre outros); Trata, também, de propor o grau de interesse público para o conjunto Palácio, Pracinha do Liceu, Liceu Velho, Casa Adriana, Casa Pedro e Etelvina Neves e o demais património cultural envolvente; E trata, ainda, de fazer reverter a decisão da CMSV e do Governo encomendarem a demolição, aliás, com os nossos recursos, da Casa Adriana, a CMSV, porque assim o autorizou, enquanto órgão local, mediante confrangedora omissão, em matéria de planeamento urbanístico, e mediante emissão de planta de localização, ou equivalente, ignorando, de forma flagrante, o património cultural; o Governo, porque pretende construir nesse local quando nem sequer faltam, nem podem faltar alternativas; e a CMSV e o Governo, porque têm feito deste imóvel uma moeda de troca de terrenos entre si, sem cuidar que se encontravam perante um exemplar do património cultural e que dessas instituições seria de se esperar mais e melhor, nomeadamente, o cumprimento da lei, em matéria de conservação do património do Município e do Estado, aliás, exigido aos cidadãos.

Se atendermos à legislação cabo-verdiana, aliás, antiga de duas décadas, e desajustada (sem prejuízo de alguma legislação mais recente mas pontual e específica para a Cidade Velha), excluindo o que à partida não parece aplicável ao conjunto do Palácio, Pracinha do Liceu, Liceu Velho, Casa Adriana, Casa Pedro e Etelvina Neves e o demais património cultural envolvente, e reportando-nos, concretamente, aos bens imóveis de interesse cultural, nomeadamente, obras de arquitectura, composições importantes ou criações mais modestas, notáveis pelo seu interesse histórico ou social, incluindo as instalações ou elementos decorativos que fazem parte integrante destas obras, e/ou agrupamentos arquitectónicos urbanos de suficiente coesão, de modo a poderem ser delimitados geograficamente, e notáveis, simultaneamente, pela sua unidade ou integração na paisagem, e pelo seu interesse histórico e social, defendemos que o Palácio, a Pracinha do Liceu, o Liceu Velho, a Casa Adriana, e a Casa Pedro e Etelvina Neves, bem como o demais património cultural envolvente, merecem ser classificados, individual e/ou colectivamente, como Monumentos históricos e/ou Conjuntos arquitectónicos, nos termos da Lei n.º 102/III/90, de 29 de Dezembro, que estabelece as bases do património cultural.

Se, para além da legislação nacional, adoptarmos, como referência, a legislação portuguesa, bem mais actual e desenvolvida, para este conjunto Palácio, Pracinha do Liceu, Liceu Velho, Casa Adriana, Casa Pedro e Etelvina Neves e o demais património envolvente, defendemos que estes exemplares do património cultural, sem prejuízo do seu interesse municipal e/ou nacional, podem ser classificados com o grau de interesse público, nos termos do Artigo 3.º (Graduação do interesse cultural e classificação) e Artigo 21.º (Interesse cultural) do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de Outubro, que estabelece o procedimento de classificação dos bens imóveis de interesse cultural, bem como o regime jurídico das zonas de protecção e do plano de pormenor de salvaguarda e nos termos do Artigo 15.º (Categorias de bens) e do Artigo 17.º (Critérios genéricos de apreciação) da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro, que estabelece as bases da política e do regime de protecção e valorização do património cultural.

Reportando-nos concretamente aos bens imóveis de interesse cultural, e excluindo mais uma vez o que à partida não parece aplicável ao conjunto Palácio, Pracinha do Liceu, Liceu Velho, Casa Adriana, Casa Pedro e Etelvina Neves e o demais património cultural envolvente, resumir-se-iam em três, os passos acima enunciados:

1. Um bem considera-se de interesse público quando a respectiva protecção e valorização represente um valor cultural de importância nacional, mas para o qual o regime de protecção inerente à classificação como de interesse nacional se mostre desproporcionado. Na instrução do procedimento de classificação será verificado o interesse cultural relevante do bem imóvel, designadamente, nos domínios histórico, arquitectónico e social. O interesse cultural relevante documentado, em cada domínio, deverá demonstrar, separada ou conjuntamente, valores de memória, antiguidade, autenticidade, originalidade, raridade, singularidade ou exemplaridade.

2. O grau de interesse terá de implicar algum ou alguns dos seguintes critérios genéricos de apreciação: O interesse do bem como testemunho simbólico; O interesse do bem como testemunho notável de vivências ou factos históricos; A concepção arquitectónica e urbanística; A extensão do bem e o que nela se reflecte do ponto de vista da memória colectiva; A importância do bem do ponto de vista da investigação histórica ou científica (ciências sociais); As circunstâncias susceptíveis de acarretarem diminuição ou perda da perenidade ou da integridade do bem.

3. De notar que o grau de interesse deverá ser justificada em função do valor cultural do bem imóvel na perspectiva da sua protecção e valorização.

Ora, a sociedade civil cabo-verdiana, de uma forma, ora mais espontânea, ora mais organizada *, tem demonstrado o interesse cultural da Casa Adriana nos domínios histórico, arquitectónico e social, tem demonstrado, por múltiplas formas, os seus valores de memória, antiguidade, autenticidade, originalidade, raridade, singularidade ou exemplaridade, e se tanto fosse preciso assinalar, tem demonstrado, claramente, o interesse da Casa Adriana como testemunho simbólico, como testemunho notável de vivências ou factos históricos, o interesse da sua concepção arquitectónica e urbanística, a extensão da Casa Adriana e o que nela se reflecte do ponto de vista da memória colectiva, a importância da Casa Adriana do ponto de vista da investigação histórica, bem como as circunstâncias susceptíveis de acarretarem diminuição ou perda da perenidade ou da integridade da Casa Adriana, sendo certo, que a classificação de um exemplar de património cultural não obriga a demonstração exaustiva de todos aqueles valores e de todos aqueles critérios de apreciação.

Se mais do que já foi dito é necessário para se proceder à classificação da Casa Adriana, contudo, o que já foi dito é mais do que suficiente para definitivamente colocar-se cobro à anunciada demolição da Casa Adriana. Sabe-se que a Casa Adriana já estava construída em 1870, o que lhe dá pelo menos a idade de 140 anos. Em qualquer parte do mundo civilizado, a idade de 100 anos de um exemplar do património cultural, nomeadamente, do património arquitectónico, por si só, já é motivo bastante para fazer parar qualquer veleidade de demolição, facto que em Cabo Verde parece ser ignorado pela Presidente da CMSV e pelos Ministros de Estado, das Infra-estruturas e da Saúde. E se em melhor estado a Casa Adriana não se encontra, a responsabilidade por mais esse facto, só à CMSV e ao Governo pode e deve ser assacada, em vez de se tentar demolir os vestígios do descaso dessas instituições para com as suas responsabilidades sobre o património do Município e do Estado.

Apesar de não possuirmos qualquer obrigação, pública ou política, remunerada ou não, de avançar com quaisquer projectos para a Casa Adriana, sejam eles projectos classificação do património cultural ou com projectos de arquitectura alternativos, assim mesmo, podemos deixar a nossa visão, aliás, uma visão compartilhada, e que de resto pode ser complementar de eventuais visões do Governo e/ou da CMSV, em matéria de planeamento urbanístico, de ordenamento do território, desenvolvimento turístico, e até, em matéria de ensino superior, ciência e cultura.

Com efeito, fazemos parte dos vários movimentos de cidadãos que, no país, na diáspora, e conjuntamente, no país e na diáspora, concebem para o conjunto Palácio, Pracinha do Liceu, Casa Adriana e Casa Pedro e Etelvina Neves e os demais edifícios dos mesmos quarteirões, um núcleo urbano dedicado ao ensino superior, ciência e cultura, que integre um museu, um centro de artes e/ou um palácio de cultura, sem prejuízo da autonomia dos vários equipamentos, residências universitárias para docentes e discentes, um núcleo viabilizado através de parcerias público-privadas que contemple incentivos aos moradores desta zona que queiram reabilitar os seus edifícios para acolher estudantes nacionais e estrangeiros, enfim, um núcleo urbano articulado com outros equipamentos na ilha, no arquipélago e no mundo. É fundamental, pois, que este conjunto Palácio, Pracinha do Liceu, Casa Adriana e Casa Pedro e Etelvina Neves e os demais edifícios dos mesmos quarteirões, se mantenha coeso, e que a visão para cada uma destes elementos seja, logicamente, subordinada ao conjunto.

Ao contrário do argumento, se assim se pode chamar, em que se refugiam a CMSV e o Governo, não existe qualquer relação culta entre a construção de nova Delegacia de Saúde e a demolição do património cultural cabo-verdiano, a Casa Adriana. Tanto assim é que já existe uma Delegacia de Saúde em Mindelo, aliás, maior e melhor do que a própria Delegacia da capital que serve um número incomparavelmente superior de utentes. A Presidente da CMSV, o Primeiro-Ministro e o próprio Presidente da Assembleia Nacional já foram alertados, várias vezes, para a petição em defesa da Casa Adriana que deu entrada na Assembleia Nacional em Janeiro de 2010, e não podem continuar a ignorar impunemente o Direito de petição, garantido por lei e pela Constituição, nem poderão ser cúmplices impunes do anunciado atentado contra o Estado de direito, com a decisão de encomendar, aliás, com os nossos recursos, a demolição do centenário património cultural mindelense, a Casa Adriana, antes devem atentar às suas responsabilidades e garantir o efectivo funcionamento das instituições da República.

Verdade seja dita, a insistência em levar para a frente a demolição da Casa Adriana não deixa de ser um atestado de incompetência, em matéria de planeamento urbanístico, de ordenamento do território e desenvolvimento turístico, mas também, lamentavelmente, em matéria de ensino superior, ciência e cultura, inaceitável, tanto mais que, para além da cidadania, no país, passando por São Vicente, Santiago, Fogo, etc., e na diáspora, passando pelos Estados Unidos da América, França, Itália, Portugal, Macau, etc., o próprio Presidente da República, o próprio (ex) Ministro da Cultura e o próprio (ex) Presidente do IIPC – Instituto de Investigação e Património Cultural, bem como vários deputados municipais e nacionais, entre muitos outros titulares de cargos públicos e políticos, sem esquecer as valiosas propostas do 1º SIRUM – Seminário Internacional de Reabilitação Urbana de Mindelo, um encontro entre várias Universidades de Cabo Verde, Brasil, Itália e Portugal, nomeadamente, Escolas e Faculdades de Artes e de Arquitectura, inclusivamente, para esta zona central de Mindelo, todas estas instituições cívicas, políticas, públicas e universitárias já se manifestaram, francamente, em favor da defesa da Casa Adriana. E convém lembrar ainda que tal decisão da CMSV e do Governo vem descarregando sobre a sociedade civil um ónus violento e contraproducente de defesa pelo património, constitucionalmente garantida, pelo que a CMSV e o Governo devem abster-se, quanto antes, de atitude tão pouco urbana e tão pouco edificante.

Devem, pois, a CMSV e o Governo, rever a sua inculta decisão e disso informar, quanto antes, a cidadania, no país e na diáspora, para que esta possa ser dispensada do ónus assaz violento de ter de corrigir, sem qualquer remuneração, os erros e as omissões dos titulares dos titulares de cargos públicos e políticos, remunerados com os nossos recursos para nos servirem. A CMSV e o Governo são obrigados, por lei, a questionar e a demonstrar, por si só, o interesse cultural da Casa Adriana, o que sintomática e inegavelmente tentam furtar-se a fazer. A omissão das suas obrigações não confere nem à CMSV, nem ao Governo, o direito de agirem como se de organizações criminosas se tratassem, nem a ineficácia da Justiça deve servir de pretexto para mais e mais abuso de poder e atentados contra a urbanidade. Até lá, os cidadãos de Cabo Verde tudo continuarão a fazer para cortar passo à incompetência dos titulares de cargos públicos e políticos da CMSV e do Governo, em matéria de poder local e poder central e, compreensivelmente, a cada dia, elevarão a sua voz.

Finalmente, procurando evitar males piores, gostaríamos de lembrar que a CMSV e o Governo vêm dando azo a que o povo de Cabo Verde se veja obrigado ao exercício de outro direito constitucionalmente previsto: «É reconhecido a todos os cidadãos o direito de não obedecer a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão ilícita, quando não seja possível recorrer à autoridade pública» (Artigo 19º - Direito de resistência). Historicamente, é sabido que o povo de São Vicente sempre fez uso desse direito universal.
Imagens NFM – 2010
Nuno Ferro Marques