A cultura de um povo é toda a sua memória.


segunda-feira, 24 de maio de 2010

Fortim d´El Rei, Eden-Park e Casa Adriana

Excertos de «Genius Loci do Eden-Park e da Praça Nova», Nuno Ferro Marques, Liberal, 22.Jan.2010

Fortim d´El Rei, Casa do Dr. Adriano Duarte Silva e Eden-Park

As discussões sobre o Eden-Park têm abordado o Fortim d´El Rei e Casa do Dr. Adriano Duarte Silva. Os espaços exteriores e o enquadramento na paisagem natural e construída que estes três exemplos nos oferecem, são a um tempo, miradouros, terraços e palcos, mais ou menos simbólicos, mas únicos, em Mindelo.

Estas e outras experiências devem ser cruzadas, contudo, é preciso ter presente que em matéria arquitectónica, urbanística ou paisagística, nem sempre o que é válido para um caso, sê-lo-á para os demais casos.

Estes lugares são bem ricos pela sua história, pela história dos seus utentes e pelo seu enquadramento urbanístico mas nem sempre pela sua dimensão construtiva.

Nem sempre será essencial a protecção integral, poderá bastar a protecção morfológica ou ambiental, o que, conforme o caso, permitirá a demolição e reconstrução, com maior ou menor ampliação.

A urbanidade das cidades também está, em medida que não é pequena, nos espaços envolventes que fazem a transição do espaço exterior para o espaço interior, do espaço público para o privado. As normas urbanísticas procuram, entre outras garantias, o conforto, a higiene e saúde públicas, mas também, as fronteiras de liberdades de uns e de outros.

Quem construiria hoje os terraços generosos que se construíram no passado? Então, como não transmitir todo esse manancial de vivências espaciais, todo esse léxico, toda essa gramática que permita recriar o futuro assente nas nossas memórias colectivas que nos permitem identificar-nos com os lugares e assim vivermos mais urbanos, mais tranquilos, mais saudáveis?

O valor da Casa do Dr. Duarte Silva, nesta perspectiva arquitectónica, mas também, paisagística e urbanística, torna-se bem maior quando vivemos num país em cujos lotes com tipologias de construção isolada, porque assim ficou legalmente definido, em plano, ou em critérios municipais, assumidos ao longos de gerações, se vai permitindo construções em banda, isto, quando não permitem abrir janelas para os lotes dos vizinhos pervertendo todo o urbanismo, toda a esperança de urbanidade, e minando, contraproducentemente, para a posteridade, exemplos que enriquecem o património das morfologias urbanas.

Património cultural material/ tangível e/ou imaterial/ intangível?

Um edifício classificado como património poderá merecer vários tipos de protecção que, por estas ou outras palavras, poderão ir da protecção integral, morfológica à ambiental. Consoante o caso, poderão ser feitas obras de conservação, reconstrução, demolição, etc. O proprietário, o Município e/ou o Estado terão de arcar com as responsabilidades.

Mas o edifício não terá de ser classificado em qualquer desses termos. Não sendo o edifício classificado como património, de algum modo, nomeadamente, na normativa dos planos urbanísticos, poderá, contudo ser referenciado pelo interesse público da história que encerra e daí serem emanados, pelas entidades competentes, normas, recomendações e/ou subsídios para que seja possível preservar a razão de ser do seu interesse público.

E se nenhum interesse público se entender atribuir ao edifício, ainda assim, o lote terá de cingir-se às normas que resultam dos regulamentos urbanísticos, os actuais e/ou os vindouros.

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João Nobre de Oliveira

Questionado sobre o espírito do Eden-Park e da Praça Nova, sintetiza João Nobre de Oliveira:
Vi pela televisão um programa sobre restauração de casas antigas (coloniais) na Malásia e na Índia e uma arquitecta indiana de Bombaim, afirma a dado passo que o amor a uma cidade faz-se de memórias, as pessoas precisam de ver os edifícios, as ruas, as praças e os demais espaços da sua infância, da sua vida de trabalho, para sentirem que pertencem a uma comunidade que vem de trás. Assim, na Malásia e na Índia não destroem os edifícios herdados do passado, nem mesmo do colonialismo, restauram-nos e é precisamente isso que estamos a defender ao fim ao cabo, a restauração dos edifícios do passado. A cidade precisa de lhes recordar algo para terem o sentido de pertença à cidade. Ao amarem a sua cidade respeitam-na mais e defendem-na, defendem-na como se defendessem a sua casa, pois sentem o espaço público como algo delas.
A alma das cidades está também nessas memórias. Talvez seja por isso que há cidades mal-amadas, pois, ninguém tem memória de coisa alguma ali. Tirar aos mindelenses a sua memória, será convidá-los a desprezarem a cidade onde vivem.

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Anote-se, para referência, que o ICOMOS (Concelho Internacional de Monumentos e Sítios) declara que «o espírito do lugar é definido como os elementos tangíveis (edifícios, sítios, paisagens, rotas, objectos) e intangíveis (memórias, narrativas, documentos escritos, rituais, festivais, conhecimento tradicional, valores, texturas, cores, odores, etc.) isto é, os elementos físicos e espirituais que dão sentido, emoção e mistério ao lugar». Declaração de Quebec. 2008).

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DESAFIO

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A CMSV, através dos seus pelouros e sua equipa técnica, interdisciplinar, mas também através de planos urbanísticos, elaborados, em elaboração, ou a elaborar, uns com mais detalhe, ao nível das praças, dos bairros, de edifícios e outros elementos marcantes e, através ainda, de eventuais concursos nacionais ou internacionais, terá sempre uma palavra a dizer.

A começar por meras condicionantes urbanísticas, entre elas, os usos permitidos e os usos proibidos, as superfícies ocupáveis, as edificabilidades, os espaços livres, as medidas cautelares, os incentivos e outros recursos.

(…)

Em países com mais tradições de transparência pública, é certo, quando acontecem empreendimentos mais significativos para as cidades, lançam-se concursos mistos de concepção, construção e exploração. Em casos ainda mais importantes, antes disso, lançam-se concursos de ideias, sem compromisso. Todavia, com prémios, exposições e relatórios públicos.
Prémios, pela crítica, pela criatividade, pelo sonho. Prémios, de facto, que paguem ao menos papel e maquetas. E exposições que promovam os seus autores e novos e profícuos concursos. E relatório do júri que possa constituir demonstração de transparência pública, que de concursos viciados não se versará aqui.

Com mais ou menos recursos internos ou externos a CMSV poderá munir-se de soluções interdisciplinares, multidisciplinares e transdisciplinares que passam por processos de análise e de síntese e que se expressam sob a forma de planos, desenhos, esboços, projectos, maquetas, perspectivas, referências arquitectónicas e urbanísticas, enfim, soluções que também facilitam a visualização em “filme”, ou em simulação 3D, a complexidade do acto administrativo, político, técnico e cívico de se optar por uma solução ou outra, enfim, projectos que levem a obras sem improvisos, logo, sem o esbanjamento que advém dos maus projectos e dos projectos mal contratados e mal remunerados. Assim se pode permitir a todos os cidadãos fazerem parte das grandes decisões colectivas que tornam ou devem tornar a vida das cidades mais urbana.

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