A JUSTEZA DA CAUSA ADRIANA
Conscientes das razões que nos assistem e acreditando sem peias que o nosso país tem o dever jurídico e moral de salvaguardar o pouco património arquitectónico e histórico que herdou no seu território, temos vindo a desenvolver o melhor do nosso esforço cívico no sentido de sensibilizar o Governo e a Câmara Municipal de S. Vicente para a conveniência de construir a futura “Delegacia de Saúde” em outro terreno que não à custa da demolição do edifício onde viveu o antigo deputado por Cabo Verde, Dr. Adriano Duarte Silva, edifício que passámos a designar, com justificado propósito, por Casa Adriana. Vasto é o argumentário já expendido em imprensa on-line e porfiadas foram as diligências até agora desenvolvidas, tanto por via informal como junto de algumas instâncias políticas, e no entanto o efeito tem sido como “ptá aga dentro dum baloi”, usando uma expressão típica da nossa gente.
A notícia recentemente dada à estampa sobre a decisão de avançar a breve trecho com as obras de construção da Delegacia tem um efeito que só não abala a nossa coragem porque imensa é a fé que anima os nossos propósitos e baliza as nossas intenções. É certo que ela pode não remover montanhas, mas tem a consistência do sentimento puro e genuíno de quem sabe que está a agir unicamente em prol da grei.
Sopesando as contrariedades e desilusões próprias de quem trilha os caminhos ásperos da pugna cívica, damo-nos conta de aquela notícia permite desde logo uma extrapolação. Apercebemo-nos de que a Edilidade talvez não sinta o problema da cidade como nós o sentimos, nem na textura e delicadeza da emoção nem provavelmente na sua sinceridade. Dando de barato, a Câmara Municipal pode querer arrogar-se de uma visão de futuro, e está no seu pleno direito, mas é um futuro que está nos antípodas daquele que pensamos ser o melhor para a cidade. Porque é um futuro que quer erigir-se sobre símbolos que se derrubam como se nada valessem. E, tanto quanto se vê, nada parecem valer para quem exerce neste momento o poder. Se outros argumentos não houvesse, veja-se que na citada notícia não se refere à esta Casa (construída no século XIX) como a casa do Dr. Adriano Duarte Silva mas como o consultório do Dr. José Duarte Fonseca. Esta propositada omissão tem que se lhe diga e nenhuma dúvida pode suscitar a interpretação que dela fazemos à letra.
Compreende-se que o actual Governo nada “sinta” efectivamente por este património, e aqui poderemos invocar razões mais culturais (identitários) que políticos, partindo do princípio que já nem é a ideologia que relega a memória do Homem que foi Adriano Duarte Silva mas a simples ignorância e obtusidade. Ora, o que já não se compreende é que quem governa a nossa cidade não atinja o cerne do problema, não perceba e não sinta que por dever de ofício lhe cabe preservar e defender o património da cidade em vez de o trocar por soluções contingentes.
Noutro ângulo, mesmo que queiramos absolver a má consciência da Edilidade em questões de memória e identidade, preocupa ver a cidade crescer de uma forma atrabiliária e ao sabor do acaso, como é o que acontece quando não existe Plano Director e Plano de Requalificação Urbana, como a vox publica já tem denunciado. A existirem esses planos, o crescimento urbano teria de conciliar harmoniosamente a preservação da memória histórica com os projectos de actualidade. É como se faz em todo o lado onde o impulso do betão não se deixa levar pelo improviso.
Há tempos, foi aqui posto o dedo em certa ferida: evitar partidarizar este problema. Ideia correctíssima se a intenção é fugir à associação com as questões menores e deletérias em que a política partidária cai quase fatalmente como abelha no mel. Até porque não existe alinhamento político-partidário nas nossas acções. Mas não, acho que a questão que nos preocupa e mobiliza é puramente política, mas a política no seu sentido mais autêntico e edificante. Note-se que é indisfarçável o confronto ideológico sobre o que uns e outros entendem ser o melhor para a sua cidade (A Edilidade e um grupo de cidadãos), sem que, no entanto, essa clivagem pareça perfeitamente delineada e reflectida ao nível dos aparelhos partidários. Tal nos pode obrigar então a concluir que as opções políticas, aquando do escrutínio autárquico, não devem ter descido ao fundo da questão ideológica (o que querem os cidadãos para o futuro da sua cidade?), ficando apenas pela rama da politiquice rasteira, mesquinha e prosaica, como quase sempre acontece, e não só em Cabo Verde.
O nosso Movimento tem na Casa Adriana um dos mais emblemáticos dos poucos valores patrimoniais (pelo significado material mas principalmente histórico) que julgamos deverem inspirar a ideia central de uma cidade com alma e personalidade, requisito indispensável à concepção do futuro. Se formos privados desse valor, que tem a força de um trunfo num jogo limpo e leal, que motivação nos restará? Se levar avante a sua decisão, a Edilidade provavelmente vai regozijar-se com uma ilusória sensação de triunfo sobre os seus opositores, mas, cuidado, é uma autêntica vitória de Pirro, cujo saldo não tardará a ser apurado e com resultados irreversíveis. Quanto nós, ficaremos a lamber a ferida da frustração, sem saber bem como convencer a opinião pública da justeza das nossas razões, sobretudo quando a oferta imediata de uma Delegacia de Saúde desarma qualquer promessa de futuro por mais risonha que seja?
Acho que não. Perante um cenário deste, não é aconselhável deixar arrastar o intermezzo. Convém avançar sem demora com uma acção popular (providência cautelar), ainda que o nosso Estado de Direito Democrático possa parecer não estar em condições de viabilizar normalmente um processo desta natureza, por ser algo inédito, e a avaliar por aquilo que tem vindo à tona das nossas reflexões em conjunto.
O bloqueamento poderá acontecer pela incipiência e insuficiente amadurecimento do nossa democracia como regime político, mas pode também colocar-se um problema de incapacidade congénita, muito susceptível em meios pequenos em que não é fácil a um tribunal pairar, imparcialmente, sobre as influências de toda a sorte, preservando o distanciamento que é condição indeclinável ao exercício da justiça e à defesa dos direitos de cidadania. Mas, apesar de tudo, poderá não restar outra saída senão uma acção popular.
O bloqueamento poderá acontecer pela incipiência e insuficiente amadurecimento do nossa democracia como regime político, mas pode também colocar-se um problema de incapacidade congénita, muito susceptível em meios pequenos em que não é fácil a um tribunal pairar, imparcialmente, sobre as influências de toda a sorte, preservando o distanciamento que é condição indeclinável ao exercício da justiça e à defesa dos direitos de cidadania. Mas, apesar de tudo, poderá não restar outra saída senão uma acção popular.
Lisboa, 20 de Abril de 2010
Adriano Miranda Lima
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