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terça-feira, 25 de maio de 2010

Linhas Gerais da História do Desenvolvimento Urbano da Cidade do Mindelo, Excertos

PAPINI, «Linhas Gerais da História do Desenvolvimento Urbano da Cidade do Mindelo», Fundo de Desenvolvimento Nacional do Ministério da Economia e Finanças, Praia, 1984: 75-89

MINDELO: 1914 - 1939

Estagnação e crise do tráfego marinho. Planos para o desenvolvimento do porto

« (…) S. Vicente funcionava como a principal fonte de rendimentos do arquipélago, e constituía o quase único recurso, ao lado das remessas dos emigrantes, numa economia que via definhar a sua principal indústria de exportação (a produção do sal), que em 1900-1903 sofreu uma estiagem catastrófica e que em 1924 acabava de passar por uma crise agrícola e alimentar ainda mais grave, ocasionando só durante os anos 1920-22 a morte de 16% da população. Depois da Primeira Grande Guerra a Alfândega do Mindelo ainda era uma das primeiras da costa ocidental de África e representava para Cabo Verde «a galinha dos ovos de ouro». (…) Mesmo em 1931, aquando da crise da navegação, até à altura a mais grave, a importância de Mindelo como fonte de rendimento era indiscutível em relação ao resto do arquipélago. (…) (…) (…) julgou-se necessário proceder a melhoramentos na cidade para criar um ambiente mais atractivo para os visitantes. (…) A razão da frustração dos planos foi sem dúvida a depressão económica que atingiu todo o mundo, com maior força na década de trinta, e a situação financeira de Portugal, resultante da crise. Também o Porto Grande sofreu de uma maneira alarmante durante esse período. A diminuição da navegação foi drástica. (…) Foi a crise geral e os problemas relacionados com a queda da época de carvão que ocasionou formalmente a introdução em 1935 do corporativismo em S. Vicente pelo regime de Salazar. (…) Com certeza, que não foi a organização corporativa que contribuiu para a nova chegada de navios ao porto e o consequente aumento da importação dos combustíveis. A verdadeira razão foi a ultrapassagem da depressão mundial nas grandes potências ocidentais através da reorganização das economias em «economias de guerra».

A Repartição Técnica da Câmara Municipal. Obras, planos e arranjos urbanísticos

(…) Em 1927, segundo Portaria de 16 de Dezembro, foi organizada pela primeira vez a Repartição Técnica da Câmara Municipal de São Vicente. (…) O Governo Provincial apoiou o que foi feito, interessado que estava no desenvolvimento do Mindelo para criar uma cidade mais concorrencial do ponto de vista urbanístico e sanitário atraindo a navegação internacional. As obras executadas nas partes centrais da cidade foram as seguintes: (…) construção do Mercado de peixe ao lado da Capitania, 1926-28 (…) remodelação e construção do primeiro andar do Mercado Municipal na «Rua de Lisboa», 1930-33 (…) construção do novo Matadouro na Rua da Praia (…) 1938-39 (…). Para o apoio à vida cultural procedeu-se a: Construção do edifício da Banda Municipal e da residência do chefe da Banda, 1929-30 (…) obras na Biblioteca Municipal (na Rua São João) e modificação da sua fachada, 1930-31 (…) construção do Estádio Municipal na Fontinha, 1929-30 (…). As actividades no entanto não se limitaram a obras de construção. Pode dizer-se que toda a zona da «Praça Nova» (a partir da praça para o Norte, incluindo parte do Alto São Nicolau) foi definitivamente aberta para construções urbanas. (…) A edificação do lado oeste da «Praça Nova» tornou-se uma realidade, através da concretização do plano de conceder à companhia Millers & Cory uma vedação ao norte das suas instalações do porto em troca do terreno, incluído no Quintal do Norte, ao lado oeste da praça. (…) Do outro lado da Praça foi construído o primeiro edifício cinematográfico, através da construção entre 1919 e 1922 do «Eden-Park», localizado, embora possa surpreender, no jardim público da altura, o Jardim Dona Angélica. A própria praça sofreu uma transformação em 1928-29 segundo um projecto elaborado pela Repartição Técnica, e obteve assim o seu aspecto actual, com novas plantações, novos postos de iluminação e uma base nova do coreto. Em 1931-32 o quiosque foi construído, localizado no lugar do velho coreto. (…) A zona da Fontinha foi outra a ser planeada durante o período em ligação com a construção do Estádio Municipal. Foi feito o arruamento e os terrenos pedidos pelos grémios desportivos Tenis Club de Mindelo e Castilho foram aforados. Durante todo o período faziam-se continuamente calcetamentos e reparações nas ruas da cidade.

Desenvolvimento económico entre as guerras. Comércio e indústria. Edificação particular.

Verificou-se em S. Vicente durante o período entre as duas grandes guerras um desenvolvimento económico semelhante ao verificado no mundo ocidental. Imediatamente após a Primeira Grande Guerra houve em todo o mundo capitalista uma hausse económica ligada a uma forte inflação (1918-1920) e seguida de uma depressão «postguerra». Nos anos de 1923-24 assistiu-se a um melhoramento e nos meados da década de vinte o mundo entrou numa conjuntura relativamente florescente. Poucos anos depois, em 1929-30, teve início a pior depressão da história da economia capitalista, que seria artificialmente vencida no fim da década de trinta através da introdução duma economia de guerra na Europa e nos Estados Unidos. (…)

Ensino e cultura. Modernização

Até à segunda metade do século vinte o carácter da cidade do Mindelo era facilmente definido. Era uma cidade com porto de mar, essencialmente comercial. No entanto teve lugar um desenvolvimento no domínio do ensino que contribuiu para dar outra dinâmica à cidade. Mindelo tornou-se o centro do ensino do arquipélago, também com importância para a vizinha colónia portuguesa, a Guiné, através da criação dum liceu nacional com sede em S. Vicente. A instalação do Liceu no Mindelo resultou no ponto de vista geral da substituição em 1910 da Monarquia Portuguesa pelo poder republicano e liberal, que teve a ambição de democratizar e modernizar a vida política, económica e social de Portugal. (…) A criação dum liceu em Cabo Verde foi (…) fruto da insistência essencialmente de uma personalidade, o Senador Vera Cruz, que em 1917 conseguiu no Parlamento da República a aprovação da lei n.º 701, de 13 de Junho (…), que criou o Liceu Nacional com sede em S. Vicente. (…)

Novos bairros. Resultado do desenvolvimento populacional

Ao lado do crescimento natural da população, deve ser num jogo de factores múltiplos como as estiagens, a obrigação de trabalho (ou fuga a trabalhos públicos mal pagos nas ilhas), dificuldade em geral de conseguir qualquer emprego, a economia de S. Vicente com os seus períodos economicamente favoráveis contrapondo os períodos de crise e finalmente a atracção geral da cidade, que se encontra o desenvolvimento populacional de S. Vicente. (…)

Instabilidade social. Medidas

Se por um lado houve um incremento para o embelezamento das partes centrais da cidade e uma certa actividade edílica, do Estado e de particulares, no período entre as guerras, permaneciam por outro os problemas sanitários e urbanísticos fora do centro, apesar das medidas tomadas anteriormente pelas autoridades. (…) (…) a estiagem catastrófica no início da década de vinte fez aumentar o número de pessoas que em S. Vicente procuravam meios para a sua subsistência. Isto, aliado ao desenvolvimento económico verificado depois da Primeira Grande Guerra, criou problemas sociais de novas dimensões. (…) Em 1924 teve lugar uma greve dos trabalhadores de carvão de tal importância que foi referenciada (como o único exemplo) no Boletim Oficial. (…) No ano seguinte «factos anormais» ocorreram no Liceu de S. Vicente, o que induziu o Governo a ordenar um inquérito oficial dos acontecimentos. (…) Nos dias 24 e 25 de Janeiro de 1929, no período em que reinava uma das crises agudas de trabalho em São Vicente, eclodiu uma desordem no Mindelo. (…) A 24 de Janeiro houve uma manifestação pública em frente da residência do Juiz de direito seguida de uma outra no dia 25. A Polícia interveio. Houve tumultos em que foram feridos o Comandante Interino do Corpo da Polícia e outros. O Governo decidiu imediatamente que o Comandante Militar de S. Vicente assumisse o governo militar e exercesse todas as atribuições policiais da cidade. (…) A situação para a grande maioria da população de S. Vicente não melhorou na década de trinta. Ao contrário! A crise mundial ocasionou problemas económicos especialmente em S. Vicente como ilha dependente do movimento marítimo internacional. (…) Durante este período difícil para as massas populares em todo o mundo ocidental e países dependentes, o regime de Salazar em Portugal alinhou-se politicamente com a ideologia fascista e introduziu o corporativismo. Paralelamente desenvolveu-se uma repressão cada vez mais aberta e dura contra qualquer forma de oposição. (…) É visto nesta perspectiva que a «revolução de Nhô Ambrose» em S. Vicente no ano de 1934 foi uma prova bem evidente não só das dificuldades do povo como da grande coragem dos manifestantes. (…) (…) Depois veio a repressão. Nhô Ambrose, pelo povo chamado Capitão Ambrose, foi preso e deportado para Angola. (…) A efectividade da Polícia durante os acontecimentos foi posta em dúvida. Todos os cabos e guardas, que constituíam na altura o Corpo da Polícia Civil de Mindelo, foram exonerados e ordenou-se a reorganização do serviço. (…) Um outro exemplo do clima político, que se vivia então, foi a extinção em 1937 (…) do Liceu de São Vicente, decisão que no entanto ocasionou tantos protestos a todos os níveis e também a nível internacional, que o Governo de Salazar teve de revogar um mês depois (…). A extinção em 1939 da organização juvenil desportiva Sokols de Cabo Verde no entanto nunca foi revogada (…). (…) Neste mesmo ano de 1939 a Segunda Grande Guerra rebentou. A cidade do Mindelo viria a emergir desta guerra em certos aspectos como uma cidade moderna mas com mais problemas do que nunca a nível populacional, habitacional, urbanístico, sanitário, económico e político. (…) »

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